O Amazonas registrou um aumento significativo de 70,46% nas notificações de casos de Dengue, conforme dados da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS-AM). De janeiro a outubro deste ano, foram reportados 15.038 casos, resultando em nove mortes. Em comparação com o mesmo período do ano passado, que teve 8.822 notificações e 12 óbitos em todo o estado, observa-se um aumento alarmante.
Elder Figueira, mestre em Biologia Ambiental pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e chefe do Departamento de Vigilância Ambiental da FVS-AM, explicou que a maioria do aumento nas notificações ocorreu em cidades pequenas do interior do estado que não tinham enfrentado surtos da doença anteriormente. Ele ressaltou a importância de os gestores ficarem atentos às primeiras notificações e agirem conforme as diretrizes do Programa Nacional de Controle da Dengue para controlar os surtos no início.
Devido à seca histórica enfrentada pelo Amazonas este ano, que colocou todos os 62 municípios em situação de emergência, a FVS-AM emitiu um alerta aos gestores municipais sobre o armazenamento de água parada, um local propício para a proliferação do mosquito vetor da Dengue. Figueira destacou que, em colaboração com os municípios, a fundação trabalhou para evitar o aumento populacional do inseto.
“A estiagem causou dificuldades de acesso à água potável, levando os moradores a armazenar água em tonéis, tamburões e baldes dentro de casa, criando potenciais criadouros para o Aedes aegypti”, alertou Figueira. Ele enfatizou a necessidade de estar atento, pois os ovos das fêmeas do mosquito são resistentes à seca e permanecem viáveis mesmo nesse período.
Risco pandêmico
Transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, a dengue possui quatro sorotipos e uma vez infectado por um deles, o paciente adquire imunidade contra aquele tipo, mas ainda fica suscetível aos demais. Em novembro deste ano o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, o infectologista Júlio Codra, declarou que o Brasil pode enfrentar uma pandemia de dengue do sorotipo 3.
Para o médico um dos motivos para o agravamento da doença seria a baixa imunidade – ausência de anticorpos – o fenômeno climático El Niño somado ao aumento da temperatura global como fatores que irão influenciar a proliferação do mosquito vetor da doença e consequentemente aumento dos casos nos municípios. Para o especialista o sul do país seria o mais afetado e por isso defende um plano de contingência para todo o território nacional.
A Fiocruz Amazônia e o Instituto Oswaldo Cruz em maio deste ano divulgaram que o sorotipo 3 da Dengue foi detectado em quatro pacientes brasileiros oriundos dos estados de Roraima (RR) e Paraná (PR). Isso acendeu um alerta nos pesquisadores de um novo surto causado pelo sorotipo viral. De acordo com as instituições o tipo 3 circulou nas Américas e causou epidemias no Brasil no começo dos anos 2000.
Segundo Figueira não há notificação no AM de casos para o sorotipo 3 e o mais frequente na população amazonense – capital e interior – são os sorotipos 1 e 2 detectados no Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen). “Teoricamente uma pessoa pode ficar doente de dengue quatro vezes. A grande questão da introdução de um novo sorotipo é que toda a população está suscetível. Como ainda não existe uma vacina disponível na ID do SUS para atender toda a população, as recomendações são as mesmas para os quatro sorotipos”, disse.
Vacinas
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou no dia 2 de março deste ano, por meio da resolução 661/2023 o registro de uma nova vacina para a prevenção da dengue: a Qdenga, da empresa Takeda Pharma Ltda, indicado para público de quatro a 60 anos. O imunizante é composto por quatro diferentes sorotipos do vírus causador da doença, o que garante ampla proteção contra o comorbidade.
O único imunizante aprovado pela Anvisa era o Dengvaxia do laboratório francês Sanofi- Pasteur que teve a bula alterada em novembro do ano passado. A vacina é recomendada para pessoas que já tiveram dengue e moram em áreas consideradas endêmicas – locais onde 70% das pessoas já tiveram contato com o vírus –, e contraindicada em indivíduos que nunca tiveram dengue.
As duas vacinas não estão disponíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A reportagem procurou o Ministério da Saúde (MS) e questionou o motivo dos imunizantes ainda não estarem disponíveis no SUS, assim como se farão parte do Programa Nacional de Imunizações (PNI). Questionou-se também se a entrada de pessoas oriundas de outros países infectadas com dengue está em monitoramento. Até o fechamento desta matéria não tivemos resposta.
Sintomas fortes
O doutor em Doenças Tropicais e Infecciosas e coordenador do Grupo Amazônico de Pesquisa Interdisciplinar em Saúde, Allyson Costa, explicou que sorotipo 3 tem pequenas mudanças estruturais em comparação com os sorotipos 1 e 2, o que resulta em sintomas mais fortes nos pacientes. Segundo ele, isso se dá porque o infectado já tem anticorpos para os dois primeiros vírus e o contato com o novo tipo causa sintomas mais fortes.
“Essas diferenças não tem implicações relacionadas a agressividade ou letalidade. Quem já teve dengue uma vez ou duas, e entrar em contato com o tipo 3 pode desenvolver uma resposta mais acentuada. Ou seja, mais sintomas: febre, dor de cabeça e dor no corpo. A pessoa já tem uma resposta imunológica contra o sorotipo 1 e 2 e o nosso organismo não entende e produz muita resposta imunológica e isso se traduz e muitos sinais clínicos ”, disse Costa.
Allyson lembra que o último surto de dengue ocorreu em meados 2007 ocasionado pelo tipo 3. “Tem quase 20 anos. O perfil populacional mudou, então, as pessoas estarão mais suscetíveis a serem infectadas com esse sorotipo e isso terá um reflexo no aumento do número de casos de dengue”, disse. “A gente trata o sinais e sintomas com antitérmicos, analgésicos e reposição hídrica. E o certo é pensar na prevenção: conscientizar em relação ao criadouro”, acrescentou.
Detecção
A dengue é uma doença exantemática, ou seja, apresenta mancha vermelhas na pele. “Além disso se tem febre alta, dor de cabeça, dores no corpo. E uma dor retro-orbital: atrás dos olhos. É bem característico da dengue. E somado aos outros sintomas, meio que se fecha o diagnóstico de dengue pelo quadro clínico”, explicou. “A gente tem testes para detecção de antígenos e anticorpos do vírus. Esses dois são disponibilizados pela rede saúde em forma de teste rápido”, complementou.
Os testes são feitos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), Unidades de Pronto Atendimento (UPA), Unidades de Saúde da Família (USF) e Serviços de Pronto Atendimento (SPA). “Esses indivíduos infectados não precisam ficar internados. Ele fica em casa, mas, caso tem um agravamento dos sinais e sintomas com sangramentos – na urina e gengiva – o ideal é que procure assistência médica de urgência”, finalizou Costa.