A queda de quase 1% do volume de serviços no Brasil em agosto surpreendeu a maioria dos analistas, que projetavam a quarta alta mensal consecutiva do indicador, divulgado na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo os dados da Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), o tombo do setor em agosto foi de 0,9% – a queda mais intensa desde abril deste ano. A retração na atividade dos serviços no país é uma má notícia que, combinada com o recuo do comércio varejista, indica um cenário de desaceleração econômica no segundo semestre, que vem preocupando o governo.
Na sexta-feira (20/10), o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-BR), considerado uma prévia do Produto Interno Bruto (PIB) do país, indicou uma queda de 0,77% em agosto.
Entretanto, apesar da preocupação com o resultado muito abaixo do esperado, o recuo do setor de serviços pode ter um aspecto positivo. Isso porque, com o desaquecimento da atividade, a tendência é a de que haja um alívio sobre os preços, o que teria um efeito positivo para a chamada inflação de serviços – que não sai do radar da autoridade monetária, devido à sua resiliência.
Os preços do segmento de serviços são monitorados com lupa pelo BC e servem como parâmetro para decisões como aumentar ou reduzir a taxa básica de juros (Selic). Trata-se de um dos principais termômetros considerados pela autoridade monetária, justamente porque incorpora uma cesta de preços pressionados pela demanda. Fazem parte desse grupo tradicionais vilões da inflação, como aluguel residencial, boleto de condomínio, mensalidade escolar, pacotes de turismo, cinema, teatro e espetáculos.
O setor de serviços é responsável por cerca de 70% do PIB brasileiro e representa 35% da composição do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do país. Em setembro, de acordo com o IBGE, a inflação no Brasil ficou em 0,26%.
No acumulado de 12 meses, até setembro, a inflação “cheia” do IPCA foi de 5,19%. A inflação de serviços, que quase bateu 10% em 2022, ficou em 5,54%.
“Se os serviços estão desacelerando, isso nos sugere um processo de desinflação mais duradouro, o que é muito positivo. Na verdade, nós já estamos vendo essa inflação mais benigna ao longo do ano. Hoje, a inflação abaixo do teto da meta já é uma realidade. Não é absurdo projetarmos uma inflação de 4,5% em 2023. A foto do momento, de fato, é muito boa”, afirma Igor Cadilhac, economista do PicPay (ex-Banco Original).
“Um dos principais motivos para a desaceleração da inflação de serviços é que o custo do trabalho está baixo diante da força do emprego. Houve uma mudança nessa relação entre emprego, salário e inflação”, diz Cadilhac.
Historicamente, a dinâmica de preços do setor de serviços está relacionada com o nível de ociosidade da mão de obra. Neste momento, no entanto, o que se vê é a desaceleração da inflação mesmo com o mercado de trabalho aquecido. Um dos motivos plausíveis para esse fenômeno, segundo especialistas, é o efeito das reformas macroeconômicas aprovadas nos últimos anos, que teriam aumentado a capacidade de a economia criar empregos sem que a inflação suba.
“Uma das explicações é que a reforma trabalhista (aprovada em 2017) talvez esteja começando a surtir efeito. Agora está mais barato para o empregador contratar. Muito por causa disso, a inflação de serviços vem se mostrando saudável”, explica o economista. “Ainda precisamos entender se realmente tivemos um ponto de inflexão na atividade de serviços. Hoje, ainda vemos um bom desempenho do setor no segundo semestre, sem grandes consequências nos preços”, pondera.
Desinflação facilita a queda dos juros
Segundo o economista André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), vários serviços “têm uma resistência maior à desaceleração” dos preços. “Mas temos visto, mês a mês, que eles vêm gradativamente desacelerando. Não na velocidade que a gente gostaria, mas isso vem se materializando”, afirma.
“Estamos acompanhando uma lenta desaceleração. Isso vem permitindo que a autoridade monetária comece a cortar juros. O prometido, até o fim deste ano, é um corte de dois pontos percentuais. Metade disso já foi”, prossegue Braz.
Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, em setembro, a Selic foi reduzida em 0,5 ponto percentual, para 12,75% ao ano. Foi a segunda queda da taxa básica desde agosto. No encontro anterior do colegiado, a redução também foi de 50 pontos-base.
Com uma atividade mais fraca dos serviços e uma menor pressão sobre os preços, a tendência é a de que a inflação arrefeça, o que, por tabela, abre espaço para a queda dos juros. A Selic é o principal instrumento do BC para controlar a inflação e serve como referência para as demais taxas da economia.
Quando o Copom aumenta os juros, o objetivo é conter a demanda aquecida, o que se reflete nos preços, porque os juros mais altos encarecem o crédito e estimulam a poupança. Assim, taxas mais altas também podem conter a atividade econômica. Ao reduzir a Selic, a tendência é a de que o crédito fique mais barato, com incentivo à produção e ao consumo, reduzindo o controle da inflação e estimulando a atividade econômica.
“À medida que o corte caminha rumo a uma taxa básica de 9% no fim do ano que vem, vão sendo criadas condições para o aquecimento um pouco maior da atividade econômica. Na falta de investimento público, temos de contar com outras fontes de demanda para suportar o crescimento do PIB. Esse investimento tem de vir do setor privado e só vai acontecer se os juros estiverem em patamares mais razoáveis”, diz André Braz.
“A inflação do setor de serviços vai continuar desacelerando, mesmo com esses cortes na taxa de juros, mas mais lentamente do que outros grupos componentes do IPCA, por causa da indexação que muitos serviços de peso possuem. O aluguel residencial, por exemplo, compromete 3% do orçamento familiar. Quase 10% do peso total de serviços vem do aluguel”, explica Braz.
“De qualquer forma, é importante ressaltar que o recuo pontual dos serviços em agosto não desenha, necessariamente, uma tendência. Quando observamos o comportamento dos preços expressos nos resultados mensais do IPCA, o setor está resiliente. A desaceleração da inflação ainda é muito lenta e ela permanece acima da inflação média geral.”
Fonte: Metrópoles
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